Uma auxiliar de fábrica que foi despedida de um frigorífico após informar ao seu superior que é portadora do vírus HIV deverá ser indenizada. A decisão unânime da Quarta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) confirmou integralmente a sentença da juíza Lina Gorczevski, da Vara do Trabalho de Montenegro. Além da indenização por danos morais, de R$ 10 mil, a trabalhadora deverá receber o valor R$ 24,2 mil, correspondente ao dobro da remuneração devida no período de afastamento, conforme faculta a Lei nº. 9.029/95 nos casos em que não ocorre a reintegração do trabalhador ao emprego.
A trabalhadora descobriu em 2011 que era portadora do vírus, mesmo ano em que iniciou o trabalho na empresa. Naquele ano e nos seguintes, teve episódios de depressão profunda e precisou se afastar do trabalho por, no mínimo, sete vezes. Nunca houve problemas quando retornava ao trabalho. Em março de 2020, com o início da pandemia de Covid-19, informou ao superior imediato que pertencia ao grupo de risco para a doença, em razão do HIV. Imediatamente, foi afastada do trabalho por 14 dias e foi obrigada a gozar 30 dias de férias. No dia seguinte ao retorno, foi dispensada sem justa causa.
A magistrada Lina anulou a despedida e determinou o pagamento das indenizações, pois considerou suficientes as provas de que a empresa optou por terminar a relação de emprego quando teve ciência da doença da autora. “A conduta adotada pela reclamada é reprovável e afronta os direitos de personalidade da trabalhadora, não podendo ser tolerada. Portanto, reconheço à autora o direito à percepção de indenização em razão dos evidentes prejuízos por ela sofridos”, ressaltou a juíza.
A empresa recorreu ao Tribunal para reformar a decisão ou reduzir os valores das indenizações fixadas. Alegou que a despedida ocorreu por mero poder potestativo do empregador. Os desembargadores, no entanto, mantiveram o entendimento de primeiro grau, de que as provas dos autos confirmaram a tese da trabalhadora. Os magistrados destacaram o teor da súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), segundo a qual presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. A súmula também prevê que o ato é inválido e que o empregado tem direito à reintegração.
O relator do acórdão, desembargador André Reverbel Fernandes, ressaltou que a legislação trabalhista garante ao empregador o direito potestativo de rescindir o contrato de seus empregados, mas que o ordenamento jurídico não tolera a exacerbação desse direito ou a sua utilização para atingir fins espúrios. Para o magistrado, a despedida decorrente de ato discriminatório constitui verdadeiro abuso de direito, configurando ato ilícito, nos termos do art. 187 do Código Civil. “O Poder Judiciário deve atuar de modo a coibir a adoção de práticas discriminatórias em desfavor dos obreiros, ainda que não previstas taxativamente na legislação. A despedida da autora, pelo fato de ter contraído uma doença grave, certamente atingiu a sua esfera moral, causando humilhação e sofrimento. Além disso, a despedida discriminatória caracteriza o chamado dano moral puro, que dispensa qualquer prova, uma vez que o prejuízo que dele decorre é presumível”, concluiu o relator.
Também participaram do julgamento os desembargadores João Paulo Lucena e Maria Silvana Rotta Tedesco. Cabe recurso ao TST.
Fonte:
TRT da 4ª Região (RS) - http://www.csjt.jus.br/web/csjt/noticias3/-/asset_publisher/RPt2/content/id/9401953